terça-feira, 3 de julho de 2012

Gordinha e desavergonhada


Enquanto muitas mulheres lutam contra a própria natureza na tentativa de se enquadrar em padrões de beleza inatingíveis, o Brasil vive outro movimento, crescente e no sentido oposto: a rebeldia das gordinhas desavergonhadas.

As ruas e as praias estão cheias de mulheres rechonchudas vestidas com estampas, cores, decotes generosos, pernas de fora. Elas se deram o direito de gostar do corpo que têm. E, principalmente, de exibi-lo. Quando entram nas lojas, não aceitam mais a monotonia do preto. Se a moda é animal print (estampas que imitam a pele de bichos), exigem a mesma peça no tamanho delas.

Não faz muito tempo, eram desprezadas. As vendedoras, quase sempre magrelas, lançavam olhares cruéis e deixavam claro que ali não havia lugar para aquelas clientes. Enquanto as gordinhas eram minoria, essa foi a regra.

Em 2012, vivemos outro momento. Quase metade da população (48%) pesa mais do que deveria, segundo uma pesquisa feita pelo Ministério da Saúde em 2011. Os gordinhos já são maioria na população masculina. Em várias capitais, o excesso de peso é a regra entre os moradores de ambos os sexos.

O processo de engorda é amplo, geral e irrestrito. Ocorre em todas as faixas de escolaridade e renda. Se a maioria dos consumidores está acima do peso, nada mais natural que o mercado percebesse e reagisse. Os produtos criados especialmente para atendê-los atingiram uma variedade sem precedentes (confira alguns ao fim deste texto).

Preta Gil, quem diria, agora é garota propaganda da C&A. Foi escolhida porque o mercado e as consumidoras a enxergam como uma perfeita representante da mulher brasileira. Em julho, a rede de lojas lança uma linha inspirada nela. Os tamanhos vão de 46 a 56. Há indícios desse fenômeno também na cultura pop. O excesso de peso não impediu que a musa do tecnobrega Gaby Amarantos estourasse como cantora pop. Nem sempre foi assim, como ela mesma conta. Na próxima novela das nove, Salve Jorge, o gordinho Tiago Abravanel viverá um sedutor irresistível.

Novos tempos. A aceitação dos gordinhos e dos obesos está aumentando. Lentamente, mas está. Essa tendência não está, necessariamente, ancorada em princípios elevados como o respeito à diversidade. Não se trata de aceitar o diferente, mas de aceitar a si mesmo. Cada vez mais, os diferentes são os magros.

Estamos diante de um novo fenômeno demográfico, cultural e mercadológico: a ascensão da classe GG. ÉPOCA flagrou esse movimento e o transformou na reportagem de capa desta semana.

O padrão de beleza valorizado pelas brasileiras aproximou-se do que se vê nas ruas. Em vez de almejar a magreza das passarelas, a maioria das mulheres de todo o país admira corpos mais curvilíneos. O gosto delas parece ter se aproximado do gosto dos homens. Um dos flagrantes mais curiosos dessa tendência é uma pesquisa realizada no primeiro trimestre pelo Instituto Data Popular.

Quinze mil mulheres de todo o país receberam fotografias de três celebridades usando lingerie. Os rostos não estavam identificados. As voluntárias eram convidadas a dizer qual dos corpos era o mais atraente e qual das três ela gostaria de ser. O resultado foi deliciosamente surpreendente. Para não estragar a surpresa, convido você a fazer o mesmo teste e eleger sua preferida, na página de ÉPOCA no Facebook ou no Google+.

As coisas estão mudando e não só no Brasil. A lista anual da Revista Forbes com as 100 personagens célebres mais poderosas do mundo foi publicada em junho. Apenas seis mereceram aparecer com foto de corpo inteiro. Duas delas, são celebridades GG: a cantora Adele e a atriz Melissa McCarthy. Muitas outras beldades magrinhas estavam na lista, mas apareceram sem foto: Gisele Bündchen, Sandra Bullock, Angelina Jolie... Em outros tempos, muito provavelmente a escolha dos editores seria outra.

Há algo de libertador na valorização da beleza real, mas ela não é isenta de riscos. O pior deles é a apologia da obesidade. Essa é uma das doenças das mais graves. Está relacionada às principais causas de morte no Brasil. Ela provoca diabetes e doenças cardiovasculares como infarto e derrame.

A obesidade é a segunda causa evitável de câncer, coisa que muita gente ignora. Perde apenas para o cigarro. Aumento o risco de desenvolvimento de vários tipos de tumor, como os de mama, endométrio (camada que reveste o útero), intestino, esôfago e muitos outros.

Se todos devem ser preocupar com a saúde, os gordinhos devem ser preocupar ainda mais. Lutar para perder o peso que ameaça a qualidade de vida e nunca esquecer que é melhor ser um gordinho ativo que um magro sedentário. Essa deve ser uma preocupação permanente, mas não precisa ser opressora. Que os primeiros sinais emitidos pelo mercado e pela cultura pop se confirmem e que o respeito se multiplique.

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