quarta-feira, 26 de março de 2014

REYNALDO-BH: Sobre a felicidade — e se ela existe mesmo

(Foto: cuny.edu)

“Até quando o Poder vai continuar sendo a mola mestra que fará com que seres humanos abram mão do hoje, único dia de ser feliz” (Foto: cuny.edu)

Não vou falar de política. Queria falar de felicidade.

Lembro-me de Marx, o verdadeiro; Groucho Marx:

– Eu, e não os acontecimentos, têm o poder de me fazerem sentir feliz ou infeliz hoje. Eu posso escolher como é que quero estar. O ontem está morto, o amanhã ainda não chegou. Eu tenho apenas este dia, o de hoje, e vou ser feliz enquanto este decorrer.

Será que é tão difícil ser feliz neste país de desconfortos? Eu tenho só o dia de hoje. Não me importo com o passado que sofri e vivi. Não me anima o futuro que trás junto uma acerto de contas que não me é necessário.

Moro em um condomínio. Às margens de uma estrada que liga uma pequena cidade (a 20 km) de Belo Horizonte. A MG 030.

Quando saio da MG 030 e entro no condomínio, sempre me bate um sentimento de “não sei”.

Vejo as casas, bem cuidadas e formando uma vila francesa em plenas montanhas de Minas.
Eu me pergunto: quantas pessoas felizes moram nestas casas? Quantas não? Quantas estão sós? Quantas estão revendo a vida, repesando o vivido, refazendo caminhos e reconstruindo valores?

prego. dito de quem se esconde por trás dos portões que fazem de cada casa, um castelo individual, de uma única família real.
Entro no condomínio e vou pelo caminho conhecido da descida até a beira do mato onde me escondo do mundo. Onde minha solidão é maior que o mundo. Onde minha fé diminui e minha angústia aumenta. Onde eu me perco de mim, mesmo sem me procurar.

Será que nestas casas de vizinhos que não conheço existem pessoas que durante o dia somente esperam a chegada da noite? Que de noite esperam que o sono venha, finalmente.

Que pensam no passado, se assusta com o presente e não acreditam no futuro.

Quando saio da MG 030, saio do mundo. E entro em outro, onde a vida parece ter parado à espera de mim. Que sempre me atraso ou não apareço.

Neste mundo paralelo, a vida segue feliz. Que assim seja. São amigos, conhecidos de quem sequer sei o nome, cães que conheço, mas não aos donos, casas que pintam muros, calçadas de grama aparadas. E pessoas. Gente. Seres humanos.

Alguns precisam de um jogo de futebol ao meio da tarde para completar o vazio. Outros, de encontros com amigos ou até desconhecidos. E há aqueles que sabem sobreviver usando máscaras. Mas há os que são verdadeiramente alegres e confiantes na vida.

E estes são essenciais. Até para quem não tem contato (ou não quer ter) contato mais próximo. São famílias que demonstram um amor que não precisa de outdoors para ser notadas. Amigos que vivem cada dia com a urgência do dia, como se não houvesse amanhã ou se um dia “perdido” já seria muito na vida que vivem. Os amigos que sequer sabemos amigos.

O caminhante de mochila nas costas, caminhando pelas ruas do condomínio, o velho que toma banho de sol na quadra de vôlei, o que prefere ir a pé até o shopping a usar o carro por 3 km, o que alimenta esquilos nas ruas como alimentassem o mundo animal como um todo, etc. Não sei quem são. Mas eles estão lá.

Quando saio da MG 030 sei que estarão. E minha sensação é que estarão sempre.

Como é menor o Poder frente ao ser feliz! Quanto vale uma vida em paz, plena e efetivamente vivida dia a dia?

Até onde o Poder vai continuar sendo a mola mestra que fará com que homens abram mão do hoje, único dia de ser feliz?

Até onde vai a disputa por não ser feliz? Até onde vai a sede de mando que transforma seres humanos em animais sem o sentimento de liberdade, por exemplo, dos cães?

Até quando um acerto partidário dará mais alegria que o sorriso de um neto ou abraço de um filho?

Hoje queria falar de felicidade.

E só descobri que ela, talvez, não exista.

Não há como encerrar este desabafo sem esta canção.

Que seja sempre sutilmente.

FONTE:Ricardo Setti

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