segunda-feira, 5 de março de 2012

O homem que não queria crescer (texto de Alessandra Mello)




Era uma vez um homem que não queria crescer, seus amigos de infância tornaram-se grandes empresários, viajavam de avião, de jato e um deles até mesmo de espaçonave, os menos afortunados torturavam-se durante horas em empregos públicos, como professores, advogados, psicanalistas, agrônomos, músicos e entusiastas do fim do mundo.


Mas ele, ele não, ele se recusava a padecer da vida adulta e para que nada lhe infligisse, ou ainda, pertubasse sua rotina, ele permanecia vivendo a mesma vida de menino que sempre viveu. Morava na mesma rua, na mesma casa sem espelhos onde sempre morou, no mesmo quarto, na mesma cama com o mesmo lençol de foguete onde sempre dormiu, usando a mesma caneca onde sempre tomou o leite que fora aquecido

.
Na mesma rua ele ‘menino-homem’ fazia as mesmas coisas andando pelos mesmos lugares e subindo as mesmas árvores, freqüentando as mesmas praças e parques com os mesmos assuntos, as mesmas perguntas, as mesmas extensões, revoluções, incursões, excursões, intenções, resoluções, paixões, sermões e conclusões, ou seja, a mesma mesmice! Mas para o homem-menino aquilo sim era vida, aquela era a segurança confortável da qual ele precisava para ser feliz, aquela mesmice diária esticada, aquela infância interminável, aquele lugar conhecido, aquele mapa pronto e todos os pequenos seus pequenos grandes segredos.
Claro que sua infância também era bela, cheia de bolas de gude, de sorvetes geladíssimos que ele freqüentemente comia, de brigas, de bolinhos, bolões e boladas que todo menino acaba por ter. Cheio de meninas com as quais ele, ao ver-se menino, insistia em brincar, ainda que quando elas lhe permitiam participar ele fosse o último a ser escolhido na hora do pêra, uva, maçã, salada mista. Mas isto não importava, pois o desdém ele nunca percebia, tamanha era sua fé na juventude. O menino-homem, em sua eterna infância, também era capaz de visitar cada uma das travessuras de meninos como na primeira vez, porém como não era sua primeira vez ele sempre podia fazer a cara de ´eu conheço´ no grupo dos mais novos o que -segundo sua crença torpe -indicava que ele era respeitado e aceito pelos meninos e meninas.


Nas rodinhas ele era apontado e tornava-se motivo de riso, riam de sua meninice anacrônica, de seus modos pueris e de sua falta de senso do ridículo, porém dos risos ele tirava apenas o brilho que lhe alimentava a ilusão. Seus antigos amigos os doutores, os filósofos, os cineastas, os pais, os jardineiros, os engraxates e os milionários não compreendiam como o ele podia andar na companhia de seus filhos. Para eles homens – e só- era difícil entender seu gosto viciado pela repetição das aventuras pueris.
Entre tudo crente e confiante de si o homem-menino ainda hoje permanece freqüentando aqueles círculos onde faz as mesmas coisas e é muito feliz sem jamais se olhar no espelho.


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