Alguns ali têm peso normal, outros sofrem de obesidade. São uma pequena mostra dos 12,4% de homens e 16,9% de mulheres brasileiros que, segundo dados de 2009 do IBGE, têm a doença, provocada por um complexo conjunto de fatores.
Sonia* é uma delas. Na hora em que é convidada a falar, ela levanta e conta que uma depressão profunda, depois que perdeu os pais, a fez engordar muito mais, e em pouco tempo, e que o excesso de peso tem prejudicado todas as suas tentativas de conseguir emprego.
“Minha vida andou para trás”, ela diz.
A obesidade é uma doença multifatorial caracterizada pelo excesso de gordura no corpo – 30% nas mulheres e 20% nos homens. Estes fatores podem ser genéticos, biológicos (alterações metabólicas), ambientais, evolutivos e comportamentais.
“Ainda que com menos intensidade do que se imagina, os fatores psicológicos ou psiquiátricos aparecem na maioria dos casos”, esclarece Adriano Segal, psiquiatra do Ambulatório de Obesidade e Síndrome Metabólica do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo e diretor do Departamento de Psiquiatria e Transtornos Alimentares da ABESO (Associação Brasileira para o Estudo da obesidade e Síndrome Metabólica). Sónia* continua sua história. Conta que um primo se mudou para a casa onde vivia com os pais e passou a agredi-la verbalmente. Em pouco tempo, a convivência tornou-se insuportável. Dentro de casa, era chamada de gorda, de inútil. Na rua, idem.
“Levei todos os meus problema para a comida”.
Endividou-se no cartão de crédito por conta de gastos com padaria e supermercado. A questão financeira virou uma bola de neve. Retornava à irmandade depois de dois anos afastada. Estava no limite.
“Sei que nasci com a estrela que não brilha, não casei nem tive filhos. Mas quero parar de sofrer”.Espera que, agora que conseguiu voltar a frequentar o grupo, as coisas comecem a mudar.
“O estigma e o preconceito aos quais indivíduos com excesso de peso são expostos são fortes fatores de estresse”, acrescenta Segal. “E isso vem acontecendo cada vez mais intensamente e em relação a pessoas cada vez menos obesas”, acrescenta.
Fatores de estresse podem desencadear quadros psiquiátricos variados, de acordo com a suscetibilidade individual. Estados depressivos, ansiosos, além de transtornos alimentares estão entre os mais freqüentemente associados ao excesso de peso.Autora de “Obesidade: o peso da exclusão” (EDIPUCRS, 2002 ), a professora da Fundação Universidade Federal das Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Lúcia Marques Stenzel, explica a lógica da discriminação.
“Quanto mais rejeitamos a obesidade e idolatramos a magreza mais produzimos problemas relacionados à alimentação, incluindo a própria obesidade”. E acrescenta: “o obeso, além de discriminado pela sua condição física, é cobrado para que ‘se transforme’ para que se adapte aos padrões estéticos”.
Nas redes sociais, a discriminação tem até nome: “gordofobia”.
Tábata Vieira, atriz e promotora de eventos de 29 anos, não é uma comedora complusiva, como Sonia *. Seu problema são outros transtornos alimentares. Durante toda a adolescência, sofreu de ansiedade e anorexia. Aos 12 anos, começou a fazer qualquer dieta que aparecesse na frente.
“Eu tive um ‘estado’ magra, porém nunca soube que eu era magra, nunca me senti magra” . Chegou aos 55 quilos, com 1,77 de altura. Ainda assim se sentia gorda. Um dia, uma amiga, que ela considerava bem magra, experimentou e não coube em uma calça que Tábata vestia facilmente. “A partir daí fiquei com medo de engordar e de emagrecer”.
Esse medo é considerado pelos médicos não exatamente uma doença, trata-se de uma fobia, que se caracteriza pelo medo desproporcional de ganhar peso. “O indivíduo reconhece o exagero dos sintomas, mas não consegue, na maioria das vezes, enfrentá-los”, explica Segal.
Além de toda pressão interna, Tábata também sofreu com cobranças externas, principalmente em casa. Mesmo sendo de uma família com histórico de sobrepeso, a promotora de eventos enfrentou preconceito dentro da própria família.
“Meu pai sempre criticou muito a gente [ela e o irmão], não queria que fôssemos gordos. Me chamava de ‘sua gorda’ ”. Quando emagreceu, no entanto, as provocações não desapareceram, apenas o tema da crítica mudou e passou a ser sua magreza exagerada. Hoje, pesando 115 quilos, ela sabe que não está no peso ideal e vive em luta constante contra a balança, mas está mais tranquila com sua autoimagem. No entanto, sofre ainda para conseguir emprego na sua área.
“Não chamam [ as agências] porque na ficha que dão para você preencher a primeira coisa que perguntam é seu peso, altura e medidas.”.
Uma pesquisa da empresa de recrutamento Catho Online com profissionais de alta gerência apontou que, dos 16 mil entrevistados, 59,1% admitiram ter algum tipo de objeção na hora de contratar funcionários obesos. E cada ponto a mais no Índice de Massa Corporal (IMC), que determina o equilíbrio entre peso e altura, representa R$ 92 a menos no salário, em relação aos salários de colegas mais magros.
O preconceito não discrimina nem mesmo quem, apesar de obeso, está em paz com o próprio corpo.
Simone Fiúza trabalhava na área de marketing de uma rede de hotéis e foi demitida. Resolveu aproveitar a oportunidade e mudar sua vida. “Desde criança queria ser modelo, mas as pessoas riam quando contava”. Ela apostou e ganhou: tornou-se modelo plus size.
Simone tem 25, é modelo, sempre usou as roupas que quis, não tem qualquer problema de saúde – relacionado ao peso ou outro – faz exercícios físicos regularmente, drenagem linfática e cuida a alimentação. É linda, loira e de bem consigo mesma. Mas isso não a impediu de passar por situações discriminatórias.
Uma vez tentou ser Miss ABC. Como no regulamento não havia nenhuma restrição relacionada a medidas, tentou se inscrever no concurso, mas não conseguiu. Questionou a organização, não teve resposta. No ano seguinte, o regulamento foi modificado e uma série de informações sobre o manequim e as medidas máximas permitidas para os participantes foram incluídas.
Em outra situação, Simone teve de recorrer à policia e fazer um boletim de ocorrência. Entrou em uma loja para comprar uma blusa. “Não tem nada para você”, disparou, logo de cara, a vendedora. Pediu para falar com a gerente, que riu da sua situação. Simone não teve dúvidas, ‘catou’ um PM na rua, fez queixa e registrou um B.O. “No mínimo, elas vão pensar duas vezes antes de fazer isso de novo com alguém”
Atitudes pontuais como a de Simone ajudam desatar um ou outro nó desta trama chamada preconceito e discriminação.
Ações coletivas também. A eleição da musa da Escola de Samba do Rio Salgueiro é uma delas. Com 104 quilos, Vânis Flores vai desfilar à frente da agremiação.
“Está sendo maravilhoso. Quero mostrar para as pessoas que não é verdade que uma musa tem que ser magra”. Moradora do Jacaré, Vânia trabalha na área administrativa de uma escola. Foi descoberta durante um churrasco na quadra da Salgueiro.
A musa garante que nunca sofreu por causa de discriminação.
“Não presto muita atenção naquilo que as pessoas falam. Se aconteceu, nem percebi. Nunca liguei”.
Fora os tratamentos de beleza que recebeu da escola de samba, ela diz que não mudou sua rotina com a aproximação do carnaval. “Como, bebo, durmo, transo, tudo normal”.
O que aconteceu neste fim de semana em São Paulo é outra mulher bela e acima do peso. No caso dela, a crítica e o preconceito vêm de dentro. Cléo acaba de ganhar o título de a mais bela gordinha do País e admite que nunca sofreu discriminação por parte dos outros. “Eu mesma me discrimino”, ela revela.
Estudante de Educação Física, ela diz que não esperava ganhar o concurso, mas que o resultado “faz parte de uma mudança necessária: parar de sofrer, aceitar-se e ser feliz”.
FONTE: GOOGLE
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