sexta-feira, 16 de maio de 2014

Somos todos Fernanda Colombo

Foto: Getty Images
Foto: Getty Images

FONTE: MADSON MORAES

Dia desses participei do 4º Fórum Momento Mulher, um evento cheio de pessoas bonitas e inteligentes. Numa das inúmeras lições que você ouve gratuitamente, ouço esta: "A mulher não é minoria, mas é tratada como se fosse". Revisito essa memória para falar da bandeirinha de futebol Fernanda Colombo. Não se fala de outra coisa senão dela. E porque, uma vez mais no reino machista do futebol, a mulher em campo é tratada pela tríade "é inteligente, bonita, mas burra".

Resumo o berreiro recente: a bandeirinha apitou jogos importantes dias atrás. Errou em alguns, assim como erra qualquer árbitro homem. Erros, alguns, infelizmente cometidos e outros bem discutíveis. Mas Fernanda nasceu mulher, e ainda por cima é bonita. A mulher já nasce culpada por ser mulher. Para os machistas do futebol, Fernanda é culpada duplamente: por ser mulher e por querer ser uma profissional num esporte masculino e machista.

O marmanjo analfabeto de educação, esta instituição clássica do futebol, logo irá dizer, "ora, o futebol é coisa de homem". Como bem disse o diretor de futebol do Cruzeiro, Alexandre Mattos, após o clássico mineiro onde um erro de Fernanda teria custado a derrota de seu time. "Se ela é bonitinha, que vá posar na Playboy. No futebol tem que ser boa de serviço", disse. Basta se lembrar do caso da ex-bandeirinha Ana Paula Oliveira, queimada por ter posado para a mesma revista sugerida pelo machista dirigente. Atriz global posando nua é trabalho artístico sério. Qualquer mulher fora desse círculo é porque quer se "aproveitar", quer "aparecer", essa oportunista!

A presença da mulher no futebol ainda causa espanto. Por isso, é tratada como qualquer minoria: com o mais abissal preconceito. Mulher apitando? Ora, que absurdo, mas vê se não vai errar, hein? Mas mulher apitando e ainda por cima bonita? Ora, ela quer apenas garantir sua vaga na próxima capa revista masculina. É mesma lógica do "Se saiu de roupa curtinha é porque quis ser assediada". Claro, Fernanda não entra em campo para trabalhar. Na lógica machista, ela quer é desfilar seu corpo ou beleza para conseguir sua capa de revista. Todas as agressões são validadas por essa lógica deles: que ousadia a de querer trabalhar neste "esporte de homens" que é o futebol.

Li alguns o ogro analfabeto do esporte comentando o erro da bandeirinha. "Vagabunda! Vaca! Bonitinha, mas ordinária! Ela precisa é de uma louça para lavar!". Sim, outros ainda entraram na página do Facebook da moça e ali destilaram seus preconceitos mais vulgares. Um destilou um clássico da mediocridade futebolística: "Se a moça pretende se promover primeiro deve aprender a trabalhar. De repente, se ela usar um espanador no lugar da bandeirinha ela teria mais sucesso".

O que existe de jogador e dirigente de futebol que reclama da arbitragem após o jogo não está escrito. Um dossiê daria mil páginas com facilidade. Mas note-se que nunca se ouviu ou se leu reclamações com base na beleza ou falta de beleza dos árbitros e bandeirinhas homens. Coisas como "Olha só, aquele árbitro gato não pode apitar uma partida dessas. Aquele bonitão só quer aparecer, ele tem que ver se um motor de um carro não é mais apropriado para ele".

Mas o futebol não é um esporte não é machista sem algo que o impulsione a ser: o jornalismo esportivo. Logo, os adjetivos surgem. Nas análises das matérias e crônicas do futebol, Fernanda é a "gata", é a "musa", a "bandeira gostosa", mas nunca é tratada como "a profissional", a "bandeirinha", "a assistente" que errou. Logo surge a matéria que "flagrou" a bandeirinha em pose indiscreta na beira do gramado (ela só estava amarrando o cadarço ou se alongando). Tratamos a mulher no futebol e em qualquer outra área como um evento fora do comum, um espetáculo, como um animal num circo.

Não muito tempo atrás, foi o técnico Tite outro a destilar seu machismo sobre a ex-árbitra Silvia Regina Oliveira, a primeira mulher a apitar uma partida entre homens da série principal do Campeonato Brasileiro. O treinador do Corinthians disse na época que uma mulher não poderia apitar uma partida de futebol em alto nível. Segundo ele, a juíza ficou longe dos lances e, por isso, errou em faltas para os dois lados. Mas Tite estava errado: Silvia teve desempenho físico semelhante à média dos demais árbitros que apitavam nas partidas daquele Campeonato Paulista.

Se Fernanda não vive um bom momento técnico, e toda a arbitragem brasileira não passa por um grande momento com árbitros e (homens) bandeirinhas errando lances absurdos, que ela treine, trabalhe para errar menos, tenha uma segunda chance como outros árbitros tiveram, que se recicle, assim como deveria ser feito com qualquer profissional. Mas machismo no futebol não deve ser tolerado. O erro, o profissionalismo, independe de gênero e de beleza. Mulher não é minoria, é melhoria e isso serve para o futebol. Por isso, somos todos Fernanda Colombo.

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